25.3.12

Pesadelo


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
O silêncio inquieto espreitava em mim
Às voltas com o medo de perder a chama
A loucura inerte pressentindo o fim
Acendia lua entre os lençóis da cama

Uma morte antiga sorria ao pecado
De pensar eterno o que ora se desfaz
Baú de promessas no tempo guardado
Instante de apego num brilho fugaz

Delírio de amor - insana semente
Frágil tempestade que sucumbe aos dias
O avesso do espelho no olhar que sente
Conduz ao agosto a inversa utopia

O fruto dos lábios desfaz a quimera
Efêmero encanto se faz pesadelo
Naufraga a poesia no mar da espera
Sucumbe o desejo por entre os cabelos

Entre tal devaneio, quem sou, afinal?
- A alma da noite que sangra a tormenta
- O soturno do dia em olhar lacrimal
- O delírio incontido que a vida sustenta

23.3.12

A estética (dos que morrem) do frio

Autor:
Imagem - desconhecido
Poesia - Danízio Drnelles
Tão belo
o frio que espero!
Não fosse a agonia da carne,
os lamentos mudos que se fundem
no vazio da madeira apodrecida;
Um assovio a mutilar os corpos,
sob a indiferença que flutua calmamente
entre a vida e a estupidez...

Tão belo
o frio que espero!
Não fossem os corpos desnudos
entregues à estética da geada,
não fossem as pequenas mãos
que viraram pedra,
os pequeninos olhos
que perderam o brilho,
os lábios cerrados
que choraram pão...

Tão belo
o frio que espero!
Não fosse a desgraça materna
de plantar na terra
o fruto inocente,
o beijo guardado
em flor e semente,
os trapos que cobrem
o que a vida deixou...

20.3.12

Fuga

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles 
Rumo ao céu, caminho
quando a alma, às pressas
penetra o vidro da porta
sem fazer as malas
Rumo ao céu, navego
e desapareço
Adormeço no outono
que lentamente desfolha os dias
A alma, vestida de primavera
buscando calor, clama pelo frio
bebe o vinho do agosto antes da hora
que demora
Por fim, retorna
num poema esguio
que escorre pela vertigem dos dedos

10.3.12

Golpe

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
É condenável sonhar
amar
e amanhecer,
Viver é sobreviver,
Latinoamérica em sangue
Tempo sem despedida
Fria navalha de escuridão
a cortar poemas,
Tempo dos sem tempo,
Vã resistência,
Ousar lutar,
Ousar viver
a ousadia de sonhar,
a utopia de querer...

Vida por um fio,
Desvario!
Das madres, orações,
Gemidos que se fundem,
Agonia nos porões,
Corpos na noite
escondidos,
Canções contra o metal,
Estrofes versus decretos,
Poemas: desaparecidos,
Arquivos: secretos...

Arrancar do cimento
os ossos da História,
Sepultar a memória
do esquecimento.

4.3.12

11 de setembro


Autor:
Imagem - desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Há uma ferida na noite
Santiago sangra
As ruas são desertos de sonhos
Por onde a estupidez, a passos largos, caminha...
Vermelho pálido de desesperadas chamas
Cinza escuro na escuridão dos dias
La Moneda está em chamas
Santiago sangra
Há uma ferida na noite...
O perfil esguio da pátria veste luto
E suas veias tingem a cordilheira de rubro
Uma luz triste vibra nas cordas da guitarra
Daquele que não mais recordará Amanda
A agonia está na pele do monstro
Que, aos gritos, anuncia a morte da vida
O desespero da inocência
ante o triunfo da estupidez humana, desumana
Santiago está em chamas
A dor queima a alma do poeta, que escurece
No mar salgado da lágrima mais triste
É a morte da real utopia
É o silêncio da desesperança
Neruda fecha os olhos, a poesia adormece 
A águia repousa outra vez sobre a terra latina
E suas garras tem fome de sangue
dos corpos que alimentam o norte
La Moneda está em chamas
Há uma ferida sem cura em Allende
O povo sangra