29.2.12

Atemporal

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Desperto e te busco entre os últimos séculos
Em que fui poeira, vento, mar e solidão
Sombras marinhas percorrem teus cabelos
Enquanto navalhas de luz cortam minha carne
Por onde andaste, mulher amada?
Enquanto eu te buscava
no descaminho secreto, feito mundo
no brilho sombrio, que pensei amor

O calor de uma brasa se acomoda em mim
E fica a queimar e queimar a escuridão da noite
É quando estendo meus braços ao invisível
E te ouço dizer que tudo é real
Por onde andaste, mulher amada?
Enquanto minha luz definhava em vão
na solidão do outro lado do espelho

26.2.12

Partilha


Imgem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
No sol que é meu rumo
Nasce a tarde-mulher,
O verde se abre
Em seios fecundos
E, por um segundo,
O tempo requer:
- Que nasça outra vida
Em pétalas de espera

Desfolhadas nos olhos,
Lágrimas de outono,
No inverno, o abandono,
Pra outra primavera!

Assim, camarada,
A semente, os grãos,
Façamos do tempo
Seara partilhada,
A alma na estrada,
A história nas mãos!


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21 de agosto
Em frente
O verde das luas mortas

25.2.12

Vivo

Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Parnaseio psicodramas, tramas,
Da rima à obra prima, passo longe de tudo,
Me perco no vazio que me consome,
Arranco os pedaços da poesia
Que, em sangue, caem no papel!
Morro todos os dias em brancas páginas,
Na agonia que agita a cidade.
Só as pedras,
Somente elas não podem voar.


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Escuridão da poesia
Nudez

20.2.12

Promessa

Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Tão puros esses passos
Onde estendo os braços
Os abraços
E deles faço
Minha vida mais real

Tão incerta essa vida
Ora sofrida
Em despedida
Incontida
Pra adentrar o temporal

Tão estranho e represado
O amor enfeitiçado
O feitiço do outro lado
É pecado
Pra curar o grande mal

Tão sincera essa promessa
As avessas
Que tem pressa
Que termina onde começa
Meu caminho, afinal


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O misticismo do frio

16.2.12

Na face oculta da alma


Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Eu fui o abismo dos sonhos...
(dos sonhos febris de outono)
Lágrima triste incrustada
na palidez de tua face,
Fui estrela e sou a lua
a percorrer teus cabelos,
Eu fui o riso da noite,
embora a noite chorasse...

Sei que teus olhos me buscam
além das sombras esparsas,
além das pedras marcadas,
por entre as rosas caídas,
Ao certo hás de encontrar-me
no labirinto das cruzes,
Velando sonoras preces
aos amores de outras vidas

Há um sussurro em teus lábios
clamando a ausência do adeus
Nos remorsos, nos lamentos,
nas notas de uma canção...
Ao adormecer das noites
calam-se as luzes malditas,
Tentando ofuscar verdades
que habitam a escuridão

Eu sou aquilo que fui,
libertado de mim mesmo,
Imagem nua do espelho
moldando um quadro sombrio;
Não sendo sombras nem luzes,
transfigurei-me em neblina,
Seguindo os mesmos caminhos
que minha alma seguiu...

E agora (ao final de tudo),
frente ao começo do nada
Há rastros não apagados
e um anjo clama por paz,
Meus desejos tem amarras,
meus caminhos são espinhos,
Minha alma anda adiante
ou há tempos ficou pra trás...


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Atemporal
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Paola
A agonia branca de um poema não escrito

14.2.12

Suave temporal

Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Chamo querer, simplesmente
Ou simplesmente querer
O derradeiro momento
Em que as velas dos olhos se acendem
E os braços incontidos se abrem
Num voo sem volta

Quando a alma, na ponta do pés
Vai à janela e se embriaga de luz
Ou de lua
Para finalmente despencar
Num despenhadeiro de escuridão e pecado
Queda-livre em direção ao infinito,
Morte anunciada!
Até que emplumadas asas acolham o corpo
Suspenso por um fio de utopia

Chamo querer, simplesmente
Ou simplesmente querer
O trapézio das bocas coladas
ao desejo do eterno

Caminho de pedras e areia
Mar e temporal,
Novelo do tempo
que consome horas num momento
E eterniza o momento por séculos a fio
Até que um novo instante o absorva

Chamo querer, simplesmente
Ou simplesmente querer
O pecado de amar
e amar, simplesmente

Adormecer a poesia
No mar da pele, no sal da alma
Na ternura de um caminho

Papel-papelão

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Papel-papelão
Pão dos que não tem
Ninguém a quem pedir
Repartir
A miséria da labuta
O luto do porvir
Papel-papelão
Em vão, prosseguir
Dividir
A real intenção
Singela utopia,
Sementes de mundo
O abismo profundo
Papel-papelão

13.2.12

Sentido inverso


Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Na contramão
sem um carro potente,
sem um som potente,
Sem Big Brother,
sem novela,
sem televisão:
- Na contramão!

Sem pagode, sem axé, 
sem sertanejo universitário...
- Na contramão!
Sem tênis de marca,
sem compras no cartão...
Desconhecido na balada,
Sem Willian, sem Fátima, 
sem Galvão...
- Na contramão!

Sem conhecer a Europa,
sem cruzeiro marítimo,
sem falso beijo,
sem sexo pago,
sem fingir amor,
sem fingir que acredita
- Na contramão!

Sem Ronaldos, Ronaldinhos,
sem cavalos de corrida,
sem deus, sem fé,
sem rezar aos domingos,
sem lucros na segunda,
sem explorar alguém a vida inteira...
- Na contramão...

Sem status, 
sem luxo, 
sem anel,
sem acreditar 
que a vida é assim mesmo...

Leva consigo um Neruda,
um amor,
uma revolução,

Embriaguez

Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Me embriago de ti e desfaleço
Recorto porções de um mapa
Que desconheço
E dele faço
Meu caminho mais real
Me embriago de ti
Na busca pelo avesso
Onde, passo a passo
Amanheço
Procurando por mim
Pra saciar o temporal


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Despedida
Correnteza

6.2.12

O terço


Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Um terço triste do sonho
Dou às garras da ganância
Que mesmo matando a infância
Mantém o olhar risonho
Um terço do que semeei
Nas vergas que não são minhas
Brotou cercado de espinhos
Do sangue que não herdei
O terço da minha miséria
O terço que eu, só, plantei
Na insensatez de uma lei
Pertence a outras artérias
Um terço para o senhor
Um terço pra seu sustento
Quem semeia contra o vento
Só colhe frutos de dor
As lágrimas sobre o chão
(Flores brotadas do avesso)
Lamentam também o terço

5.2.12

Existencial


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Sempre que posso,
sem remorsos, ainda penso
que a vida é um céu imenso
e a morte é como breu;

Quando não posso,
entristeço, despedaço,
A agonia é meu espaço
mais humano, existencial...

A liberdade,
que por horas me condena,
ainda creio, vale a pena,
mesmo sendo o grande mal

No descaminho,
que caminha indiferente
cada morte – uma semente
toda flor – um temporal.


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Breve
O misticismo do frio
Vivo
O pecado da nudez
Caminhante

O Verde das Luas Mortas


Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles
Os homens plantam a ganância
Sob o céu dos desiguais,
E a floresta que avança
Mata a terra e algo mais...
Vão herdeiros do silêncio
Seguindo o rastro da fome,
Que a justiça anda esquecida
Da miséria que os consome.

Agonizam as espécies
Junto às árvores do mal,
Morre o verde das lavouras
Pelo verde artificial;
Nas searas dos humildes
Há uma ausência anunciada,
Porque a luz de luas mortas
Não clareia a madrugada.

E meus olhos perdem o brilho
Por luas mal divididas,
Quem mata a alma dos campos
Não pode gerar a vida,
Pois os mesmos alambrados,
Que demarcam estas fronteiras,
Por vezes têm cães de guerra,
Por vezes viram poeira...

Agonizam as espécies
Por luas mal divididas,
Da miséria que consome
A justiça anda esquecida!
Só meu sonho mais febril,
Em meio à louca utopia,
Vê enxadas sobre a terra,
Sob a luz de um novo dia...


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Em frente
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O vestido da morte
21 de agosto

1.2.12

Desvario secreto


Imagem: desconhecido
Poesia: Danízio Dornelles

“Carnalmente eu amo a alma e com alma eu amo a carne” (Brecht)

Bocas líquidas garimpam o improvável
No calor dos corpos que se desprendem
Como fantasmas paridos pela noite;
Um mar noturno adormece em mim
E desperta o incontido da tempestade,
Estrelas de carne cintilam o suor fecundo,
Fenecem, a espera de um brilho maior...
As mãos abertas são vigorosos pássaros,
Impedem a fuga do instante. Em delírio
A pele de cera se derrete sob a luz da lua,
Enquanto a sutileza do verbo mais concreto
Escorre pela alma das pernas em desalinho...
Brancas esperas na escuridão das noites!
Morro no ocaso dos teus olhos, que desejo,
Morro no desvario secreto de devorar tua alma
E beber a carne no vinho que é teu corpo.


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Des(a)tino
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