31.1.14

Renúncia

Poesia/Imagem: Danízio Dornelles
Por ora sou pedra
inerte ao rio
que disseca meu corpo

Da margem esquerda,
te contemplo:
radiante estás
como as brancas ondas
da lua que não temos

Um coração de carne
me ameaça
mas é tarde

há tempos
não o escuto
em tal descompasso
tal desespero
entre pétalas
de pedra e cimento
no metal de meu silêncio

Que desacelere
ou despedace!

Ingênuo fardo de carne,
que pulsa
sensível aos cativeiros
que brotam em brancas luas
como se a noite queimasse

Chama

Poesia/Imagem: Danízio Dornelles
Na madrugada
onde quase tudo é silêncio
espreitam nas janelas entreabertas
as vontades maldormidas

Com suas luzes brancas 
que adentram veias
percorrem
a corrente sanguínea da noite,
que pulsa

Roubam as chaves da quietude
num torvelinho surreal
de cores vivas
sobrepostas à realidade morta

Arte metafísica do encantamento
(platônico por um fio
ou por um fim)
teus cristais de pedra são alamedas
por onde caminho

Sonho que move o mundo
e gira os pedais do tempo
presente estás
como uma utopia
que escorre entre os dedos

como um quadro psicodélico
do amor e de si mesmo
como a fosforescência de mundos
entre esses dois olhares
num infinito de luas
que só as noites compreenderão

30.1.14

Fragmento da mulher que encanta

Imagem: Google/Divulgação
Poesia: Danízio Dornelles

A Deusa que rege os mares
e meus passos
sabe o risco que corro
quando o sol projeta
poesia densa
no farol dos olhos

Em pétalas de lírio
repouso o metal
do inevitável silêncio,
segredo que divido com Ela
e com o rio

A mulher que encanta
tem jeito de borboleta ou flor
quimera ou cachoeira;
mas posso evitá-la

Tem um semblante
de pequena cascata
cristalinas ondas
que se desvelam
em fachos incandescentes
como a lua branca
que não temos;
mas posso evitá-la

A mulher que encanta
tem canto de ave
e seus passos são semeaduras
onde floresce o viço
da utopia que queima;
mas posso evitá-la

A mulher que encanta
caminha nua
mas veste-se de brilho
transita entre a sutileza dos dias
e o mistério noturno
das luas de pedra

É uma cidade imersa
de sóis e vidraças
onde minh'alma passa
querendo ficar

A mulher que encanta
acende uma brasa
e fica a soprar
uma chama febril
uma pedra de fogo
utopia sem asas
à direita de mim

E neste enlace
de céu e porvir
(entre terra e mar)
o sol que amanhece
a se repetir
traduz a sentença
da mulher que encanta:
- Poderei evitar?

16.1.14

Florescer tardio de uma pequena morte da paixão

Imagem: Divulgação
Poesia: Danízio Dornelles

para Alan Redü (e seus enleios de afago)
"Que todo grande amor
só é bem grande se for triste" 
(Vinícius de Moraes)

Cala frio

na tempestade da noite
um pecado vazio

Amar
à luz da inversa utopia
é diluir-se em si
e no tempo
para encontrar-se em alguém
ou por aí...

Que rima buscas
onde já não há mais verso?
E que verso trazes 
no desvario secreto
do fruto do sonho
que em carne secou?

Caminas por la noche
y los perros y brujas 
son tus mejores compañeros

Querias voltar o tempo,
suprimir os ponteiros
que acorrentam teus braços
e cerram tua alma

Mas o disparo que queima
e a rebeldia do rio
se perdem no horizonte
onde repousam os desamores

Alheia à ferida
uma lua branca,
angelical,
sorri ao fascínio
por saber-se lua
por saber-se amada
ou talvez mulher

Nela repousa a chave dos dias
e dos medos
qual um segredo fúnebre
que, em vão, tentamos esquecer

Toda vez que o amor anoitece
aflora uma pequena morte
na madrugada dos dias mais azuis
e fica a procurar caminhos
na bruma inerte da paixão roubada

Rondando... rondando...
es como una mariposa negra de la mala suerte

Entre cicatrizes e desencantos
repousa o canto das aves noturnas
cujo voo singra o breu
e em cujas asas navega o mistério:

Amor,
último passo antes do abismo
por onde nos conduz a insensata paixão...
no caminho, emplumadas asas
ou rochedos de espinho

Navegar
é beijar ofegante os lábios puros
da Deusa-Descoberta
(onde quase tudo é permitido
em sua alma liberta)
exceto fazer da margem
secreto marasmo
de um porto seguro