Poesia/Imagem: Danízio Dornelles
Por ora sou pedra
inerte ao rio
que disseca meu corpo
Da margem esquerda,
te contemplo:
radiante estás
como as brancas ondas
da lua que não temos
Um coração de carne
me ameaça
mas é tarde
há tempos
não o escuto
em tal descompasso
tal desespero
entre pétalas
de pedra e cimento
no metal de meu silêncio
Que desacelere
ou despedace!
Ingênuo fardo de carne,
que pulsa
sensível aos cativeiros
que brotam em brancas luas
como se a noite queimasse
Poesia/Imagem: Danízio Dornelles
Na madrugada
onde quase tudo é silêncio
espreitam nas janelas entreabertas
as vontades maldormidas
Com suas luzes brancas
que adentram veias
percorrem
a corrente sanguínea da noite,
que pulsa
Roubam as chaves da quietude
num torvelinho surreal
de cores vivas
sobrepostas à realidade morta
Arte metafísica do encantamento
(platônico por um fio
ou por um fim)
teus cristais de pedra são alamedas
por onde caminho
Sonho que move o mundo
e gira os pedais do tempo
presente estás
como uma utopia
que escorre entre os dedos
como um quadro psicodélico
do amor e de si mesmo
como a fosforescência de mundos
entre esses dois olhares
num infinito de luas
que só as noites compreenderão
Imagem: Google/Divulgação
Poesia: Danízio Dornelles
A Deusa que rege os mares
e meus passos
sabe o risco que corro
quando o sol projeta
poesia densa
no farol dos olhos
Em pétalas de lírio
repouso o metal
do inevitável silêncio,
segredo que divido com Ela
e com o rio
A mulher que encanta
tem jeito de borboleta ou flor
quimera ou cachoeira;
mas posso evitá-la
Tem um semblante
de pequena cascata
cristalinas ondas
que se desvelam
em fachos incandescentes
como a lua branca
que não temos;
mas posso evitá-la
A mulher que encanta
tem canto de ave
e seus passos são semeaduras
onde floresce o viço
da utopia que queima;
mas posso evitá-la
A mulher que encanta
caminha nua
mas veste-se de brilho
transita entre a sutileza dos dias
e o mistério noturno
das luas de pedra
É uma cidade imersa
de sóis e vidraças
onde minh'alma passa
querendo ficar
A mulher que encanta
acende uma brasa
e fica a soprar
uma chama febril
uma pedra de fogo
utopia sem asas
à direita de mim
E neste enlace
de céu e porvir
(entre terra e mar)
o sol que amanhece
a se repetir
traduz a sentença
da mulher que encanta:
- Poderei evitar?
Imagem: Divulgação
Poesia: Danízio Dornelles
para Alan Redü (e seus enleios de afago)
"Que todo grande amor
só é bem grande se for triste"
(Vinícius de Moraes)
Cala frio
na tempestade da noite
um pecado vazio
Amar
à luz da inversa utopia
é diluir-se em si
e no tempo
para encontrar-se em alguém
ou por aí...
Que rima buscas
onde já não há mais verso?
E que verso trazes
no desvario secreto
do fruto do sonho
que em carne secou?
Caminas por la noche
y los perros y brujas
son tus mejores compañeros
Querias voltar o tempo,
suprimir os ponteiros
que acorrentam teus braços
e cerram tua alma
Mas o disparo que queima
e a rebeldia do rio
se perdem no horizonte
onde repousam os desamores
Alheia à ferida
uma lua branca,
angelical,
sorri ao fascínio
por saber-se lua
por saber-se amada
ou talvez mulher
Nela repousa a chave dos dias
e dos medos
qual um segredo fúnebre
que, em vão, tentamos esquecer
Toda vez que o amor anoitece
aflora uma pequena morte
na madrugada dos dias mais azuis
e fica a procurar caminhos
na bruma inerte da paixão roubada
Rondando... rondando...
es como una mariposa negra de la mala suerte
Entre cicatrizes e desencantos
repousa o canto das aves noturnas
cujo voo singra o breu
e em cujas asas navega o mistério:
Amor,
último passo antes do abismo
por onde nos conduz a insensata paixão...
no caminho, emplumadas asas
ou rochedos de espinho
Navegar
é beijar ofegante os lábios puros
da Deusa-Descoberta
(onde quase tudo é permitido
em sua alma liberta)
exceto fazer da margem
secreto marasmo
de um porto seguro