29.1.12

Bandeira


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Adormece a Pátria
Na agonia da noite
Na penumbra da lua
A fumaça se esvai

Meu querer mais puro
É da cor de teu sangue
No rubro do sonho
Que luta por paz

Nasceu a semente
No apogeu das idéias
Se fez tempestade
Em sonora disputa

Entre teus inocentes
Que fecundam a terra
Um matiz de bandeira
Nos chama pra luta

Adormecer


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Eu: carbono,
Sangue, nervos,
Versos, absinto;
Rasguei a treva
Da noite morta,
Matei o poema,
Que em mim nascia!
Restou o vazio,
O ósculo do medo,
Eterno segredo:
O fim da poesia!
E agora, que fazer?
Matar o sonho?
Fechar a porta?

Apague a luz,
Vamos dormir...

27.1.12

Confluência

Imagem: reprodução/Google
Poesia: Danízio Dornelles
Lentamente...
Os dias descalços
arrastam pés
sobre a poeira da distância
que não vejo,
As horas noturnas
são instantes, apenas
que se diluem
entre os dedos do tempo

Lento...
Desfaço o carretel dos ponteiros,
Contemplo o encantamento
no véu suspenso
de um céu imenso,
de um azul sem fim

Estranho...
Partículas de luz florescem
no cinza dos olhos,
Luz na manhã cinza
de uma terra fria,
Luz-poema,
Poesía eres tú, pensaria Bécquer
No hispano encanto
de uma noite sem lua

Estranho...
Os abraços que não findam,
naufragam, emergem,
rasgam a constituição dos segundos
Dilaceram as regras
do comum, simplesmente,
Buscam traduzir-te
no espelho interior
onde me vejo

Desperto de mim,
me encontro em ti
Num poema de Bécquer
Ou no querer que quero


Leia também:
Sol em brase e pele
Breve II
O pecado da nudez
Paola
Des(a)tino

22.1.12

A linha II


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
As nuvens estão perto demais
Perto demais...
Posso tocá-las, se quiser
Abrir um baú secreto
No livro de um poeta
Ou num rosto de mulher
Perto demais
Da distância do infinito
Caminho sobre a linha
Deixo-me levar pelo incontido
Em silêncio (quase segredo)
Ainda te encontro
Nesses desencontros
De finais de tarde...
Só pelas noites dilacero
O vazio profundo do canto comum
Além das palavras, na estranha semente
A estrela insurgente de lugar nenhum,
Desfio fios de utopia
Em brancos laços de espera
Sonhos alados distantes
Beijam caminhos errantes
Nos olhos mansos da fera
A noite que vejo
Cintila o brilho
Da escuridão dos cabelos,
Caminho sobra a linha
Uma leve brisa começa a soprar
(mal sabe ela do temporal interior)
Perto demais da distância
Perdido em ti, adormeço
Só pelas noites amanheço
No tardio mistério das manhãs sem fim
E se me despeço antes do começo
Por horas esqueço o que quero de mim


Leia também:
A linha
Fuga
Atemporal
Embriaguez
Pesadelo

19.1.12

A linha


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Cá, bem distante,
Céu imenso,
Penso,
Suprimir o invisível
Matar o impossível
Fazê-lo sequer
Poesia fugaz
Beijo incapaz,
Nome de mulher

Cá, bem distante,
Distante demais
Nada é paz
Tudo é temporal
Afinal
Assim de repente
Partir e ficar
Terra ou ar
Voar, simplesmente

Cá, bem distante,
Distante, assim
Princípio do fim
Apenas começo
Desobedeço
A infinita lonjura
A eterna linha
Que ora caminha

Depois que morrem as canções


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Depois que morrem as canções
Não há flores nem quimera,
Só uma rua nublada,
Pelo olhar desconsolado
Que ficou preso à janela...

Morre a luz do olhar moreno
Num triste raio de dor,
Quando se desfaz o abraço,
Os braços rompem o laço,
Que um dia juntou o amor!

Fica um silêncio soturno
Chorando antigos sinais,
Em cada peça vazia
Morre um pouco da poesia,
Que partiu pra nunca mais.

Depois que morrem as canções,
Nos lábios que se separam,
A tristeza estende um manto,
Pra que a alma chore o pranto
Que os olhos nunca choraram...

A noite é uma tempestade,
Lembranças vagam ao vento,
Depois que morre a ternura,
A luz é uma sombra escura
Na treva do esquecimento.

Depois que morrem as canções
Morre a vida, devagar,
Sem saber da despedida,
O tempo cura as feridas,
E deixa a alma a sangrar...

Do DVD XIII Fecanpop
L: Danízio Dornelles/M: Andriego von Laer
1º lugar, música mais popular e melhor letra (Troféu Acanguaçu)


Leia também:
Ligeiro delírio do gosto
Pranto
O beijo da morte
A agonia branca de um poema não escrito
Des(a)tino

17.1.12

Em frente

Imagem - Sebastião Salgado
Poesia - Danízio Dornelles

Em frente...
Guerreiros desnudos
De mãos calejadas
Que a voz das enxadas
Não pode calar...

O sonho floresce
Na planta que cresce
E o pão se divide
Pra quem sabe amar

Em frente...
Andejos do nada
Destino traçado
Um brilho no olhar

A terra se abre
Abriga a semente
Que os filhos da gente
Verão germinar...

Em frente...
Que os legisladores
E a própria justiça
Retratam a cobiça
De antigos senhores...

Por trás do alambrado
Há morte a vigília
Na eterna partilha
Que nunca é lembrada...

Em frente...
Os sonhos fecundos
Semeiam no mundo
Uma nova esperança...

Um dia as enxadas
Derrubam a espada
E o sonho renasce
No olhar da criança...

(publicado no livro "Agricultura Familiar: Semente de Esperança" - 2006 - UNAIC - União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu)


Leia também:
Os olhos de Korda repousam sobre Cuba
Vermelhas bandeiras
Mudança
O verde das luas mortas
21 de agosto

16.1.12

Correnteza


Imagem: reprodução/Google
Poesia: Danízio Dornelles
Num fim de tarde, partiste
e minha alma, em folhas
seguiu a correnteza,
Tive olhos de outono,
desde então...
Quando amanheceu,
feito Rimbaud,
eu era outro!
Sem temor das pedras,
beijei da água a serpente,
- Centenas de rios
corriam em mim
E em mil folhas me vi

15.1.12

Escuridão da poesia


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Na escuridão,
na geografia dos olhos,
sangro por ti
vermelhas palavras,
que morrem no vazio das mãos;

Em silêncio,
uma navalha de fogo
corta retalhos de epiderme,
que escorrem pelo sulco das horas,

Um imenso sol
se acomoda em mim
e fica distante demais,
distante demais...
a queimar e queimar
numa agonia sem fim.

Ao amanhecer,
uma morte branca me sorri,
Desapareço!
Sucumbo aos primeiros raios...
E só volto a viver
na escuridão da poesia
das vermelhas palavras que me trazes.


Leia também:
Vida-noite, roda-amor
Despedida
Atemporal
Desvario secreto
Nostalgia

13.1.12

Pedras


Imagem: reprodução/Google
Poesia: Danízio Dornelles
Um dia, talvez, as pedras
Sustento dos corredores
(Sustento desses senhores
Semeadores de bravatas)
Entoem as serenatas
De uma nova melodia
Um dia, talvez um dia
Sucumbam raízes mortas
Ocultas atrás de portas
Pela voz da tirania

Um dia nasce o silêncio
Na voz de quem gritou tanto
Um dia, abre-se o manto
Pra enterrar o desagravo
O trono para o escravo
Sangue, alma e coração
E as pedras - somente, então
(Com cicatrizes profundas)
Verão os sonhos fecundos
Que marcham de pés no chão

Um dia, quem sabe, as pedras
Conheçam o brilho da lua
Conheçam uma nova rua
Que seus olhos possam vê-la
Um dia, quem sabe, a estrela
Apague a treva mesquinha
E as pedras (já sem espinhos)
Constituam uma muralha
Capaz de afrontar batalhas
Trilhando um novo caminho

Um dia, renasce o sonho
Nos sonhadores sem nome
Aqueles que colhem fome
Por trás da mesa vazia
Um dia, talvez um dia
Num prenúncio de verão
As pedras que cobrem o chão
Ganhem vida no espaço
Arrancando os pedaços

10.1.12

Morte de Amanda

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles


Morri, mas não aos poucos,
Morri de morte, simplesmente...
Dessas que a gente sente
Doer na carne, entre os ossos,

Morri de estranha morte
Tão logo amanheceu
E uma nuvem sangrou o céu,
Com o escuro de suas cores,

Cores, tantas cores!
Sob o anil esmaecido deste céu febril
Que, lentamente, se derrama,
Metamorfoseando a vida
Numa vertigem qualquer...

Morri entre a luz dos fios compridos
E a verdade mais humana, miserável
Na espera pela curta solidão,
Que amo,
Na busca pelos olhos libertos,
Libertinos,
Que, como pássaros noturnos,
Sangram meu céu interior

9.1.12

Delírio

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles


Vida, psicodélica mutação
Do vazio abstrato
Que ora me rouba a paz

Pele, que alma oculta esta epiderme?
Sonho, que sentido terá teu gesto?
Verbo, que gosto terá tua carne?

Sal!
Pavor!
Sombrio delírio!

Suspiro incontido que acende a noite
Febre que rasga as roupas
Dor, que sangra em desatino
Poesia que fenece em secreta agonia

Será - à luz do dia,
Um delírio de amor?

Arado-Poema

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles

Meu arado-poema tem sangue, pele,
Alma, sonhos e vida...
É o predestinado pela força dos homens
A romper a virgindade simples da terra,
Que se entrega feito a um amor.

Ele bebeu do suor de quem o empunha
Na claridade dos dias
E na miscigenação das noites!

O arado-poema
Não abre covas,
Não tortura inocentes,
Não maltrata as flores que surgem pelo caminho...

Ele conhece os segredos das sementes
Que serão vida na mesa dos libertos!

O arado-poema
Divide e não acumula,
Fortalece e não aniquila;
Planta sonhos que mais tarde florescerão
Nas retinas puras de um menino.

O arado-poema
É irmão das enxadas,
Das sementes,
Das mulheres,
Dos braços,
Das mãos,
E dos sonhos;

Ele sabe que o mesmo vento que corta a face
E sangra o olhar nas manhãs de inverno,
Será um dia a fonte vigorosa a soprar o rubro sonho
Que sempre existiu hasteado no interior de nossas almas!

O meu arado-poema
Tem mais dos outros do que de mim...

Ele viu a terra ser manchada
Pelo sangue dos poemas silenciados
Que estavam a lutar;
Viu arados silenciados pela ira da ganância...
Viu a ganância, de perto, a nos rondar,
E, ainda assim, persistiu,
Porque o arado-poema sabe,
Que mesmo que tudo acabe,
É preciso sempre plantar...

7.1.12

Nostalgia...

Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Teu silêncio de morte me desperta, mulher de branco
Que, nua, invade a madrugada onde adormeço...
Cada vez que te mostras assim despida
Há um clarão de luz no teu corpo
E um desejo incontido nos meus olhos
De desvendar o teu mistério.
Mulher de branco a quem me entrego
Único amor a quem posso dizer eterno
Vadia noturna que em outros olhos acende a chama
Apenas te peço que voltes. Apenas te espero
Espero. E espero...
Mesmo que não sejas minha.
Mesmo que de outros tu sejas.
Muito mais dos outros do que minha
Ainda assim te espero com o mesmo brilho
E a mesma alma que te entreguei da primeira vez!

1.1.12

Sexo, Cooler e Janis Joplin


Autor (poesia/imagem): Danízio Dornelles
Um poema imperfeito
Porém livre
Bebe goles de condenação
Margeia limites ora rompidos...
Na ponta dos pés, ele avança
Prova,
Garimpa nos pelos (fios seguros)
A negação da negação da vertigem
Que a vida real consome;
Desata a corda que o mantém suspenso
Penetra a nudez da lua
Buscando Piece of my heart,
Poema imperfeito por inquieto
Que não descansa a pele em outra pele,
Engole,
Viceja,
Traduz,
Perpetua o inacabado
Corta, se precisa for!
Sangra, se preciso for!
E ama, sem pudor
A sublime espiritualidade carnal
Da bebida e de si mesmo.